A morte de recém-nascidos na Santa Casa de Misericórdia do Pará é uma violação frontal ao Estatuto da Criança e do Adolescente”. A avaliação é feita por Luana Tomás, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Pará (OAB-PA), que irá acompanhar as denúncias feitas pelo Sindicato dos Médicos e confirmadas pelo governo do Estado apontando para 25 mortes de nascituros nos 12 primeiro dias de junho na instituição, com média de duas mortes por dia. O fato motivou denúncia do Sindicato aos Ministérios Público Estadual e Federal.
Para Luana, independente das causas
apontadas para as mortes ou onde elas ocorreram, é necessário avaliar a
política materno-infantil no Estado. “O Estatuto possui um capítulo que
garante o atendimento e assistência à saúde à gestante, como alimentação
adequada, atendimento médico próximo a sua moradia e nascimento digno à
criança e pelo que estamos vendo isso não vem sendo respeitado”,
aponta.
Segundo ela, o próprio governo admite que as
mães da maioria das crianças mortas não realizaram pré-natal adequado e
que as crianças eram prematuras. “A pergunta é: por que o Estado não
possibilitou que essas mulheres fizessem seu pré-natal onde residem? Por
que essas mães não conseguiram realizar todos os exames necessários?
Por que têm que se deslocar quilômetros a fio para serem atendidas em
Belém?”, questiona.
Luana diz que a OAB irá acompanhar de perto a
apuração dos fatos e vai se reunir com as autoridades para que as
respostas a essas perguntas sejam dadas. “Não adianta averiguarmos e
punirmos a morte lamentável desses bebês, mas ir a fundo, ir à origem do
problema”, coloca.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos
da Assembleia Legislativa do Estado, Carlos Bordallo (PT) lamentou as
mortes precoces das crianças que, segundo ele, merecem uma atitude
definitiva. “Ainda lembro do estardalhaço, inclusive com comissões do
Congresso Nacional em 2008, quando houve um surto parecido na
maternidade, onde num período de 45 dias, pouco mais de 40 bebês
morreram. Ambos os episódios merecem nosso repúdio. Chega de tantas
mortes na Santa Casa!”
Segundo ele no episódio em 2008, Ana Júlia
Carepa, à época governadora do estado, respondeu o caso com medidas
firmes, inclusive iniciando e deixando em andamento o novo Hospital da
Santa Casa de Misericórdia do Pará. “Porém, passados quase dois anos e
meio o governo que se instalou em janeiro de 2011 não foi capaz de
solucionar o problema, e pior, fez regredir o padrão que recebeu em
2010”, critica.
As sessões da AL essa semana serão
itinerantes e realizadas em Bragança, onde se dará a repercussão
política das mortes. “Vou tentar reunir com a presidente da Comissão de
Saúde da Assembleia e com a bancada do PT para ver que medidas poderemos
tomar em relação a essas tragédias. Esse já é o terceiro surto de
mortes de bebê nesse governo. Não podemos mais deixar a população sofrer
dessa forma”, diz.
A reportagem do DIÁRIO falou com o líder do
governo na AL, José Megale (PSDB), no último sábado para repercutir a
questão, mas o tucano disse desconhecer as mortes. Megale informou que
leria o noticiário e pediu para que o jornal voltasse a ligar para que
comentasse o assunto, mas não atendeu ao seu celular no domingo.
Obra de hospital se arrastou por dois anos
A ex-governadora Ana Júlia Carepa disse ao
DIÁRIO lamentar muito os óbitos na Santa Casa. “Nenhuma mãe merece
perder seu filho, muito menos em momento tão especial, logo após seu
nascimento. Porém, não poso deixar de ficar indignada pois, caso a obra
da Nova Santa Casa estivesse pronta, quem sabe as mortes não estivessem
ocorrendo”, dispara.
Ela lembra que em 2008, durante seu mandato
como governadora, enfrentou problema semelhante. Nas duas últimas
semanas de junho daquele ano 22 recém-nascidos foram a óbito. “Mas
vivemos uma situação diferente em dois aspectos: em primeiro lugar, pelo
tratamento desigual dado ao meu governo pela imprensa, que me submeteu a
um linchamento público; em segundo lugar, pela atitude que tivemos para
tratar do problema”.
Ao invés de apenas apresentar
justificativas, ela diz que seu governo desenvolveu um plano de ações
para sanar os problemas existentes na atenção básica e que tornavam a
situação tão dramática, ações estas que hoje se encontram paralisadas,
como o reforço a Atenção Básica, ampliação do programa Saúde da Família,
aumento de leitos de UCI Neonatal, criação de uma nova UTI Pediátrica
com 10 leitos para crianças recém-nascidas, entre outros.
Ela lembra que seu governo iniciou a
construção do prédio da Nova Santa Casa, em 2009, deixando pronta até a
oitava laje, com os recursos para sua conclusão e compra de equipamentos
em caixa. “Esta obra se arrastou por longos dois anos e meio, com
objetivo meramente eleitoreiro. Foi uma decisão que tomamos para
melhorar esse serviço tão importante para o Estado todo. São
investimentos que chegam a R$110 milhões. A Nova Santa Casa contará com
180 leitos de maternidade do hospital, sendo 20 leitos de UTI
Obstétrica”.
Em junho de 2008, uma infecção teria desencadeado a morte dos bebês na Santa Casa.
Naquela época, a então presidente da
Fundação Santa Casa, Maria do Carmo Lobato, afirmou que as mortes
ocorreram devido à prematuridade das crianças e ao estado de saúde que
apresentavam, e possibilidade de infecção havia sido descartada - as
mesmas justificativas apresentadas pela Sespa agora.
Outra observação de Maria do Carmo foi de
que a Santa Casa recebia uma grande demanda de crianças, oriundas de
variados municípios do Estado, o que dificulta a disponibilidade de
leitos. Anos depois, em junho de 2011, foram registradas 27 mortes de
bebês e, em julho, 34, totalizando 61 óbitos. O hospital realiza, em
média, 800 partos por mês e atende gestantes de todo o Estado.
Sespa nega infecção hospitalar
O secretário Helio Franco, titular da
Secretaria de Estado de Saúde (Sespa), garantiu que os óbitos
registrados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal da Fundação
Santa Casa de Misericórdia não decorrem de infecção hospitalar. De
acordo com a Santa Casa a maioria dos 25 óbitos de bebês prematuros
foram decorrentes de peso abaixo de 1,2 Kg. “Não há aumento de infecção
hospitalar na Santa Casa. A taxa diminuiu”, afirmou a diretora da Santa
Casa, Cintia Pires.
Ainda segundo a Fundação, dados afirmam que a
taxa de mortalidade institucional, comparada aos cinco primeiros meses
do ano passado, é praticamente a mesma, onde em 2012 foi de 3,1% e 2013,
3,2%. As causas das mortes, de acordo com a Sespa, estão relacionadas à
síndrome genética, cardiopatia, gastrosquise (intestino exposto), além
da prematuridade extrema dos recém-nascidos e extremo baixo peso.
Além disso, atribuiu a causa ao fato de a
maioria das mulheres serem adolescentes e não terem feito o pré-natal
completo. A Santa Casa afirmou ainda que alguns recém nascidos que
faleceram chegaram ao hospital em estado gravíssimo e sem acompanhamento
médico.
O Sindicato dos Médicos do Pará (Sindimepa)
já havia recebido denúncias sobre o caso de mortes de bebês e denunciou
imediatamente a situação ao MPE e ao MPF, bem como para as secretarias
de Saúde do Estado e do município. Nenhuma resposta foi dada. O diretor
do sindicato informou ainda que o problema é antigo. “Não é de hoje que
as crianças estão morrendo na Santa Casa. No Governo anterior aconteceu a
mesma situação e de lá para cá nada mudou”, afirma Wilson. De acordo
com ele, a superlotação prejudica a qualidade do atendimento.
Para Wilson Machado, a inauguração da nova
Santa Casa não irá solucionar o problema. “Tem que haver uma
regulamentação nos atendimentos, se não o problema vai continuar”,
destaca.
(Diário do Pará)
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