por Raimunda Monteiro (*)
Fui entrevistada nesta quarta-feira (7), pela Rádio Nacional da Amazônia, fazendo um contraponto às previsões catastróficas de pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi sobre a situação ambiental do Tapajós com a emancipação. Essa é uma opinião veiculada na capital e por parte da imprensa nacional, a exemplo do Estadão, em matéria da jornalista Karina Ninni, em setembro passado.
O MPEGconsidera que, com a criação do novo Estado, o povo desta região vai revogar a criação das (UCs) Unidades de Conservação estaduais da Calha Norte, que somam cerca de 7 milhões de hectares e ainda reverter as UCs federais, que são 24 e somam cerca de 18 milhões de hectares.
Me surpreendicom a abordagem superficial e parcial do meu colega do MPEG (Leandro Ferreira), ao identificar o povo desta região do Estado, a priori, como adversários das florestas. Quando na verdade, se temos mais de 75% do nosso território com cobertura florestal, é porque a maioria do povo que vive aqui ([índios, agricultores familiares, extrativistas, varzeiros, quilombolas, cidadãos urbanos, entre outros) souberam sustentar modos de vida compatíveis com a manutenção dos recursos naturais dessas áreas, sem destruí-las.
Passo fundamental
Os setores críticos da sociedade local participaram dos movimentos políticos em nível nacional para que a Constituição de 1988 desse um passo fundamental para o reconhecimento do meio ambiente como um direito humano e, a partir de então, paraa construção de um marco jurídico nacional que inclui a Lei de Crimes Ambientais, a Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a regulamentação do ZEE – Zoneamento Econômico Ecológico e, mais recentemente, a Lei 11.284 (Gestão de Florestas Públicas), que determina que todas as florestas publicas devem continuar públicas e florestas.
É um dado histórico que os movimentos sociais desta região atuaram decisivamente na proposição que inaugurou o debate e políticas públicas voltadas para pagamento de serviços ambientais, com o PROAMBIENTE. Desta política pública, exercida por mais de1.500 agricultores familiares da Transamazônica, Marajó e Nordeste Paraense, evoluiu a discussão de REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, um dos principais instrumentos de mitigação na política de mudanças climáticas, reconhecida a partir da COPP 16, em Cancún, em 2010.
Se temos nesta região a maior concentração de RESEXs – Reservas Extrativistas Federais, foi por força da organização social das populações dessas áreas que optaram por manter seus territórios ancestrais íntegros diante do avanço madeireiro e do agronegócio.
Quando do avanço de frentes especulativas de outros estados que ameaçavam dizimar as florestas da BR-163, foram os setores críticos e organizados da sociedade civil da região, que denunciaram e que forçaram o Governo Federal a elaborar o Plano de Desenvolvimento Sustentável da BR-163, a criação do Distrito Florestal Sustentável da BR-163 e o ZEE – Zoneamento Econômico e Ecológico da região, que nos permite ter hoje um território ordenado, impedindo decisivamente que nos tornemos uma paisagem como se tornou a borda oriental da Amazônia.
E mais: a instalação de escritórios do MPF- Ministério Público Federal e PF – Polícia Federal em Altamira, na década passada, foi por reinvindicação dos movimentos sociais junto ao então Ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos. Ou seja, aqui vive uma sociedade que pensa e age como as melhores cabeças do Pará e do país.
Política ambiental
O pesquisador do MPEG afirma categoricamente que as UCs criadas serão anuladas. Isso não faz sentido. Tudo em política ambiental no país depende dos Legislativos Federale Estaduais. Depende também do CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, pelo qual passa toda a normatização ambiental derivada da legislação federal. Leis estaduais não podem se contrapor aos princípios e diretrizes das leis federais.
Talvez o temor dos pesquisadores do Goeldi seja de que prevaleçam no Tapajós parlamentares comprometidos com projetosde desenvolvimento que impliquem em destruição das florestas preservadas até o presente. Por que não pensar que, mais próximos do centro de poder, parlamentares camponeses, indígenas, quilombolas, empresários e intelectuais comprometidos com o desenvolvimento sustentável também possam representar esses setores e influenciarno parlamento? Sejamos dialéticos e afirmativos.
Os setores comprometidos com um tipo agronegócio com base em desmatamento e sem atendimento da legislação ambiental foi derrotado ainda na década passada, a partir da mobilização social da sociedade organizada da região. Não há ambiente para esses setores, que não são da região inclusive, ocuparem o novo Estado mudando o regramento legalque rege o uso da terra e que protege as florestas.
Infratores sempre haverá, em todos os lugares do pais, porém a criação do novo Estado obriga o fortalecimento do sistema de gestão ambiental federal e estadual na região, com escritórios equipados e aumento do pessoal ocupado no controle e monitoramento ambiental na região.
O que ocorre no atual quadro de administração centralizada em Belém, é justamente o contrário, o esvaziamento dos órgãos como IBAMA e ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidadee o tímido investimento na estruturação regional de um órgão de suma importância como o SFB-Serviço Florestal Brasileiro que tem nesta região, a maior parte das FLONAS – Florestas Nacionais sob gestão para produção florestal sustentável, em regime de concessões. Como novo Estado esses órgãos ganharão força e capacidade de exercer a gestão com maior agilidade.
Administração centralizada
Parece temeroso, no quadro atual, de administração centralizada em Belém, é a reversão da destinação de áreas estaduais para assentamentos extrativistas e terras quilombolas, pelo que se observa nos primeiros meses do Governo Jatene. O ITERPA- Instituto de Terras do Pará, vem fazendo esforços para reconhecer terras particulares dentro da RESEX Verde para Sempre e anular projetos de assentamento extrativistas estaduais criados no governo passado.
Todas as UCs estaduais e federais são gerenciadas por conselhos gestores consultivos (proteção integral) e deliberativos (uso sustentável), em que estão representados setores empresariais, de Governo e da sociedade civil. São eles que ditam as regras dos planos de manejo das UCs.
De acordo com a Coordenadora Regional do ICMBIO, Rosária Sena, e, segundo a direção do ICMBIO – Instituto Chico Mendes na região, na pessoa da 80% das UCs federais já têm plano de manejo. O mesmo ocorre com as UCs estaduais. Reverter todo esse quadro institucional é impossível, pois teria a oposição da sociedade, mesmo que venhamos a ter parlamentares retrógrados, como muitos que vemos aqui e na capital.
São cerca de 30 milhões de hectares em UCs federais e estaduais, além das TIs – Terras Indígenas. Excetuando-se os Parques e Estações Ecológicas, todas as outras UCs são habitadas por populações com ancestralidade nas áreas e direitos garantidos no sistema jurídico naciona. Reverter esse quadro institucional não está aopqalcance dessas forças políticas isoladas.
Os parlamentares que só vêem desenvolvimento atrelado aoagronegócio estarão disputando hegemonia com parlamentares que defendem o desenvolvimento sustentável. A causa ambiental no Brasil e na região não tem partido, a sociedade é quem impulsiona as mudanças, tem sido assim historicamente no Brasil e no mundo. Aqui não será diferente.
Por fim, é preciso que setores catastrofistas da imprensa nacional e pesquisadores que pouco associam o objeto de suas pesquisas aos contextos sociopolíticos, observem que a criação deste fantástico Estado Sustentável do Tapajós, pode se tornar um grande trunfo para a região norte e para o Brasil, como modelo de desenvolvimento sustentável.
Basta que sejam aplicados aqui, em infraestrutura, ciência e tecnologia, o valor equivalente a 1\5 do que está previsto na construção da UHE de Belo Monte, para promover uma economia verde, baseada no uso sustentável da biodiversidade (florestas e turismo), produção sustentável nas várzeas e na elevação da produtividade agropecuária para que o novo Estado exporte alimentos e produtos top da biotecnologia.
Acreditemos em nossa capacidade de dar o melhor pelo nosso destino.
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