terça-feira, 25 de junho de 2013

O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO BRASIL E O QUE CABE AO PT

Por: Raimunda Monteiro*

Esta breve reflexão tem como alvo a militância do PT, porque este Partido, pela sua origem, traz consigo um legado histórico de vanguarda de mudanças.

Tenho chamado a atenção, nas reuniões da Fundação Perseu Abramo, onde vários outros membros, têm insistido na necessidade de análises detidas sobre os significados da derrocada da imagem do PT como utopia de mudanças no Brasil,  da ascensão de uma nova classe média descomprometida historicamente com a trajetória de lutas que permitiu esses avanços e com as mudanças de  referências ideológicas, políticas e comportamentais   que ocorrem no mundo, resultado de uma multipluralidade de visões que têm nas redes sociais um canal de expressão.

O PT nasceu como partido de esquerda, reunindo o melhor do capital intelectual, da consciência progressista  religiosa e do que se caracterizou na origem como “classe trabalhadora brasileira”. Quebrou  paradigmas nas teorias revolucionárias do século XX e orientou uma guinada na visão da construção de democracias populares, negando o golpe e a violência como estratégia de tomada do poder, propondo a elastização da democracia burguesa como meio de construção de sociedades mais justas.

A elastização da democracia nos marcos do sistema capitalista foi compreendida  como aprofundamento das reformas institucionais e nas políticas públicas, com vistas a tornar a sociedade, protagonista das mudanças. Mesmo de algum modo conservador, o PT tornou-se a vanguarda de um processo de mudanças profundo na sociedade brasileira, com amplos reflexos sobre a esquerda da América Latina e de outros continentes.

O PT derrotou a onda neoliberal  que dominou a política internacional nos anos 1990 e sua ascensão ao governo central do Brasil, abriu caminho para a demonstração cabal de que é possível distribuir renda, dinamizar mercados internos e promover crescimento duradouro, promovendo  investimentos nas bases da infra-estrutura, da educação, do desenvolvimento tecnológico e no desenvolvimento social, com a integração ao mercado consumidor de milhares de famílias submetidas a pobreza estrutural.

Um passo importante foi dado, portanto, no plano material, abrindo um leque amplo de oportunidades de ascensão social, com ajustes conservadores na máquina do sistema econômico, político e moral vigentes. O PT se limitou aos ajustes no plano material.

No plano político, a governabilidade de um país patricarcal, patrimonislista e coronelista impôs alianças conservadoras e arcaicas que associam o PT não ao novo paradigma que trouxe em sua verve, mas ao que de pior os sistemas oligárquicos deixaram como herança na política nacional. O PSDB também se apoia nessas alianças para operar um projeto difuso e atabalhoado com o qual propõe mudanças para o país hoje. Sempre considerei que, entre as forças políticas que governam o  país, se o PSDB se livrasse de seu deslumbramento neoliberal e o PT de sua arrogância, unidos poderiam promover mudanças muito mais rápido e solidamente. Mas, isso é uma heresia quando visto superficialmente.

O PT perdeu a oportunidade de aprofundar as mudanças no plano político, quando tinha a legitimidade e a credibilidade da geração que o viu nascer e podia estabelecer uma aliança estratégica com as gerações  que emergiam com as mudanças que o partido impulsionou.


O mensalão, sem entrar no debate sobre a parafernália judicial que engendrou,  é uma síntese da perda da oportunidade de vanguardear mudanças no plano político e no plano moral, rompendo com a forma  como a política é feita sistemicamente. Haverá os que dirão que essas mudanças não teriam maturidade histórica  dez anos atrás. A pergunta é, o Partido se propôs a isso ou,  por tantas razões, foi mais fácil acomodar-se ao modelo vigente e fazer a disputa com os mesmos métodos que consagraram o poder de fato aos setores dominantes?.

O PT então passou a governar um sistema em que seus ideários de mudanças não cabiam e por isso transbordaram por canais diversos de decepção, de frustração e, por último, de indignação. Uma  parte desta conta tem que ser debitada sim, ao PT, porque nenhum outro partido tinha e tem a pretensão sincera de realizar mudanças que aumentem o poder dos pobres. Inclusive de questionar os governos que os emancipam.

Por isso é tão fácil ao PPS e ao PSDB agora, tentar se capitalizar, atribuindo a insatisfação dos brasileiros aos governos do PT. Estamos lidando com uma história de dez anos e a memória da maioria que vai às ruas não alcança os  30 anos de mudanças que o Partido vem promovendo.

Esses partidos, de viés antipopular, elitistas e dependentes dos mandos do sistema capitalista internacional, continuam tacanhos em suas visões de desenvolvimento, mas têm um aparato de poder que lhes permite dialogar com a classe média já estabelecida, sua aliada mais fiel, para quem a linguagem da corrupção, do mal uso do dinheiro público em superfaturamentos,  desponta  como uma novidade na política brasileira.
Sob a ameaça de perder a interlocução com a sociedade, o PT  está atônito. Aos mais novos, todos os partidos também estão! E uma das razões deste tormento  é porque o PT tem limitado sua audição a um círculo militado de opiniões.  Uma vez no poder, tornou-se impermeável a crítica da militância mais pobre,  das bases progressistas dos rincões do Brasil, dos que não tinham força política para eleger parlamentares, dos que nem de organizações sociais participam.

Com lideranças oriundas de uma tradição política de esquerda clássica,  tem sido difícil estabelecer contato com o universo social dos jovens, dos trabalhadores que se qualificam profissional e intelectualmente, das mulheres que querem mais que trabalho e reconhecimento profissional. Dos segmentos excluídos, agora com direitos, territórios e políticas públicas reconhecidas nos governos petistas, mas que querem cada vez oportunidades e amparo social.

O PT se ancora na expectativa de que,  a multiplicidade de programas de governo e os números mirabolantes de recursos de investimentos anunciados,  são suficientes para constituir  um reconhecimento, cujo objetivo principal, parece ser apenas  o saldo eleitoral.

Se ouvisse fora do Partido, o PT perceberia que grande parte dos programas chegam ineficazes aos seus públicos-alvo com os inúmeros agenciamentos de prefeituras e empresas; que as obras bilionárias são caras e  mal feitas, que o povo sabe que, por trás de cada obra tem um sistema  crônico, estrutural e descarado de propinas.

Perceberia também que o povo ficou mais esclarecido sobre esse “sistema político” após o Boom de informações que recebeu nos escândalos do Governo Collor e do Governo Lula\Dilma, que as pesquisas demonstram que a maioria não distingue.    Que esse esclarecimento tem maior ressonância porque encontra, no início desta década, uma população mais escolarizada, mais informada e mais integrada em debates críticos que não passam mais por espaços e movimentos sociais vinculados ao Partido.

As lideranças críticas que “ fizeram a cabeça” dos jovens e trabalhadores nas décadas passadas, estão obsoletas em relação ao ideário de futuro, acomodadas com as formulações de políticas de uma nova tecnocracia de esquerda que ocupa o Planalto;  imobilizadas pelo comprometimento com um discurso  “chapa-branca”,  traduzido também como governabilidade, inevitabilidade da política, coisas do jogo político.

Algumas dessas lideranças  têm como referência, os políticos tradicionais e como ethos, ser melhor que eles, no modelo deles...isso se verificou fartamente na conduta de autoridades petistas que o mais que fizeram foi repetir os políticos convencionais, alguns exacerbando em autoritarismo, arrogância, incompetência e desprezo por  princípios  que arregimentaram apoios ao Partido no passado.

O desprezo aos intelectuais e movimentos sociais  críticos aos projetos de infra-estrutura na Amazônia é um dos sintomas desse distanciamento que foi cortando os fios de interlocução com a sociedade organizada ou não-organizada, mas que poderia se mobilizar a qualquer  momento, como  nas condições atuais.

A reforma agrária e o desenvolvimento rural reflete o acúmulo de uma visão interna do PT, esta e outras políticas públicas  são ambientes políticos corporativos. Setores inteiros do Governo são entregues a tendências e a partidos “de porteira fechada”, sem um compromisso com projeto de país, projeto de Estado, projetos de regiões em suas múltiplas escolas e diversidade. Aos mais novos, não pensem que isso é um problema só do PT. Não, com os outros partidos ocorre a mesma coisa. Eles conseguem esconder melhor esses atrelamentos de governabilidade porque têm a imprensa a seu favor.

E assim, outros desvios de condução de governos e paralisia de criatividade e discriminação entre regiões, que reproduzem a lógica de outros governos e do sistema político atual. Os governos petistas estão acrescentando pouco aos avanços necessários do que deveria ser um ambicioso e inovador Projeto da Amazônia para o desenvolvimento do Brasil.

O PT do Pará nesse contexto?

Qual é o projeto que o PT está apresentando para discussão de mudanças no âmbito do PED no Pará? Com quem o PT dialogou sobre esse projeto? Será que o PT tem um autodidatismo tão eficiente que consegue captar os anseios do povo sem ouvi-lo?

Qual a posição do PT sobre a Lei Kandir e por que não fez nada para alterar essa subalternidade aos estados industrializados que, de alguma forma, inibe nossa industrialização? Quais são os segmentos econômicos que, num segundo governo petista no Pará, deveriam ser centrais para uma alavancagem econômica?

 O PT tem conhecimento do enorme potencial do extrativismo que, em bases modernas, poderiam intensificar atividades econômicas e gerar novas fontes de renda por novas cadeias produtivas? É o que demonstram estudos de vários pesquisadores entre os quais  Francisco Costa e Alfredo Homma.

O que o PT do Pará está refletindo sobre a modernização das cidades, o desenvolvimento urbano em sua integralidade e assim tantos outros temas em que estamos atrasados em relação ao Brasil.

As gestões municipais são dos prefeitos  e seus grupos e o partido pouco influencia em modelos de gestão, no planejamento, na inovação de como as administrações podem influenciar novas mentalidades e o aprofundamento da cidadania.  Aos mais novos, todos os partidos são assim, o que se cobra é que o PT deve e poder ser diferente.

A posição do PT Pará nas eleições de 2014, pela complexidade da conjuntura, as novas oportunidades dadas para projetar novas lideranças, entre outros fatores, exigiam logicamente uma discussão  para além do universo fechado do Partido. Que agregasse percepções que quebrassem a blindagem dos dirigentes, sempre cercados de opiniões convergentes com o que “querem que os outros pensem”, abrindo janelas para as opiniões que se avolumavam nos meios sociais reais.

A decisão sobre a tática eleitoral de 2014, deveria  ser informada por essa oitiva mais ampla e diversa dos nossos modos atarracados de pensar a política em nosso estado, nos últimos anos, principalmente.
Com que ideários as lideranças do Partido  as lideranças do Partido vão dialogar na próxima campanha?  Muitos acham que no jogo eleitoral não tem mais espaço para “ideários”. Tem.

Qual o escopo de proposições que a bancada do Pará apresenta nos fóruns de decisão sobre macro - investimentos no Estado e com quem dialogou sobre suas posições? Em quais iniciativas e projetos a  bancada do PT do Pará está unida, colabora entre si para alargar conquistas que beneficiem o conjunto da população do Estado?  Quais mesmo são os projetos dos deputados do PT na ALEPA e na Câmara Federal? Representa que demandas e que setores da sociedade? Esses projetos cacifam os parlamentares  com que estatura para cuidar de questões de Estado?

Um discurso fácil e pouco trabalhoso é o que se apoia no que o Governo Federal fez no Estado, comparando com a visível inércia do governo do PSDB. Há dúvidas sobre a eficácia desse discurso que trabalha com o protagonismo alheio.

O Governo Federal vem fazendo coisas muito boas. As grandes rodovias federais que vão integrar o interior do Pará ao Brasil, são conquistas que não viriam em qualquer governo do PSDB.

Algumas ações do governo federal poderiam ser diferentes, principalmente sobre questões estratégicas da economia e dos recursos naturais em que trata as populações locais como meros obstáculos ao desenvolvimento. É o caso do setor elétrico e do setor mineral.

 A Nota da Secretaria Geral da Presidência sobre a manifestação dos Munduruku é indefensável. Principalmente, vinda setores dos mais humanistas dentro do governo. O povo vê isso e cresce o descontentamento entre intelectuais e pessoas comuns.

O sistema de saúde em todos os níveis,  continua doente e atrelado a uma roubalheira descarada. Os gastos com infra-estrutura são vinculados a interesses setoriais, reproduzindo a imposição da esfera federal com nenhuma margem de flexibilidade para adequação ao desenvolvimento local e regional.

 A forma como o dinheiro público, colocado na obra de Belo Monte pelo BNDES, está sendo gasto, na corrupção de autoridades, na maquiagem de uma obra que seria inviável em qualquer país pela simples relação custo-benefício....e a omissão das lideranças  do PT, são visíveis, desafiam os setores críticos e distanciam o PT da possibilidade de operar  processos de mudança na condução do desenvolvimento.

Quando,  mais do que nunca,  o governo Dilma valoriza o planejamento público, alicerçando o PPA num sistema nacional de planejamento,  vemos a Sudam e a Sudene se desfazerem em ações desconectadas de uma estratégia de desenvolvimento regional de ampla pactuação,  de pouca visibilidade e de baixa interferência no desenvolvimento de forma agregada.  O Governo Federal governa regiões no Pará, a partir de Brasília e não se discute, dez anos depois da extinção e reabilitação da Sudam, para que esta instituição serve. O Governo do Estado, com pouco interesse em investir em regiões com pouco voto, agradece.

Vamos democratizar a  gestão da Sudam, da Sudene e da Suframa? Vamos colocar esses organismos para planejar o desenvolvimento nos municípios, promover estratégias econômicas diversas e duradouras, dinamizar a infra-estrutura interna dos estados... não é mais isso, o que é então?

É importante entender o fenômeno recente como resultado de um acúmulo de fatos próprios de sociedades que mudam a velocidades inéditas na história da humanidade e que, a partir dessas mudanças, reconceituam  seus modos de vida, seus valores, sua relação com as formas de representação políticas que caem em descrédito e seus ideários de felicidade.

Mais do que nunca “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte” e formas de bem-estar que não serão possíveis com os sistemas políticos atuais que comandam o capitalismo e os socialismos vigentes.

Nossas concepções sobre o mundo, o futuro e sobre nós mesmos... muitas já estão arcaicas e são ou serão obsoletas na semana quem vem.

O PT ainda é o único partido que têm o aparato téorico, político e prático para recompor o diálogo com a sociedade brasileira, fazer uma profunda auto-crítica de suas práticas, liderar de forma decidida a luta pela reforma política, dar mais eficiência aos seus governos e radicalizar na democratização das políticas públicas, com a disposição de rever projetos inadequados para a Amzônia em diálogo com as populações e não pela imposição de um sistema de licenciamento caduco.

É preciso ter a humildade e a modéstia de ouvir e reinterpretar o mundo a luz das ideias que movimentam as ruas. Com a sabedoria de extrair, de movimentos tão difusos, aqueles que sobreviverão nas próximas décadas e terão força para influenciar o futuro. Esse é um papel para dirigentes, militantes e apoiadores do PT. Vamos debater essas questões?


*Profa. Dra. Raimunda Monteiro,  formada em Jornalismo, Mestre em Planejamento de Desenvolvimento, Doutora em Ciências Socioambientais dos Trópicos Úmidos, membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo).

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