Por: Raimunda Monteiro*
Esta breve reflexão tem como alvo a militância do PT, porque
este Partido, pela sua origem, traz consigo um legado histórico de vanguarda de
mudanças.
Tenho chamado a atenção, nas reuniões da Fundação Perseu
Abramo, onde vários outros membros, têm insistido na necessidade de análises
detidas sobre os significados da derrocada da imagem do PT como utopia de
mudanças no Brasil, da ascensão de uma
nova classe média descomprometida historicamente com a trajetória de lutas que
permitiu esses avanços e com as mudanças de
referências ideológicas, políticas e comportamentais que ocorrem no mundo, resultado de uma
multipluralidade de visões que têm nas redes sociais um canal de expressão.
O PT nasceu como partido de esquerda, reunindo o melhor do
capital intelectual, da consciência progressista religiosa e do que se caracterizou na origem
como “classe trabalhadora brasileira”. Quebrou
paradigmas nas teorias revolucionárias do século XX e orientou uma
guinada na visão da construção de democracias populares, negando o golpe e a
violência como estratégia de tomada do poder, propondo a elastização da
democracia burguesa como meio de construção de sociedades mais justas.
A elastização da democracia nos marcos do sistema capitalista
foi compreendida como aprofundamento das
reformas institucionais e nas políticas públicas, com vistas a tornar a
sociedade, protagonista das mudanças. Mesmo de algum modo conservador, o PT
tornou-se a vanguarda de um processo de mudanças profundo na sociedade
brasileira, com amplos reflexos sobre a esquerda da América Latina e de outros
continentes.
O PT derrotou a onda neoliberal que dominou a política internacional nos anos
1990 e sua ascensão ao governo central do Brasil, abriu caminho para a demonstração
cabal de que é possível distribuir renda, dinamizar mercados internos e
promover crescimento duradouro, promovendo
investimentos nas bases da infra-estrutura, da educação, do
desenvolvimento tecnológico e no desenvolvimento social, com a integração ao
mercado consumidor de milhares de famílias submetidas a pobreza
estrutural.
Um passo importante foi dado, portanto, no plano material,
abrindo um leque amplo de oportunidades de ascensão social, com ajustes
conservadores na máquina do sistema econômico, político e moral vigentes. O PT se
limitou aos ajustes no plano material.
No plano político, a governabilidade de um país patricarcal,
patrimonislista e coronelista impôs alianças conservadoras e arcaicas que
associam o PT não ao novo paradigma que trouxe em sua verve, mas ao que de pior
os sistemas oligárquicos deixaram como herança na política nacional. O PSDB
também se apoia nessas alianças para operar um projeto difuso e atabalhoado com
o qual propõe mudanças para o país hoje. Sempre considerei que, entre as forças
políticas que governam o país, se o PSDB
se livrasse de seu deslumbramento neoliberal e o PT de sua arrogância, unidos
poderiam promover mudanças muito mais rápido e solidamente. Mas, isso é uma
heresia quando visto superficialmente.
O PT perdeu a oportunidade de aprofundar as mudanças no plano
político, quando tinha a legitimidade e a credibilidade da geração que o viu
nascer e podia estabelecer uma aliança estratégica com as gerações que emergiam com as mudanças que o partido
impulsionou.
O mensalão, sem entrar no debate sobre a parafernália
judicial que engendrou, é uma síntese da
perda da oportunidade de vanguardear mudanças no plano político e no plano
moral, rompendo com a forma como a
política é feita sistemicamente. Haverá os que dirão que essas mudanças não
teriam maturidade histórica dez anos
atrás. A pergunta é, o Partido se propôs a isso ou, por tantas razões, foi mais fácil acomodar-se
ao modelo vigente e fazer a disputa com os mesmos métodos que consagraram o
poder de fato aos setores dominantes?.
O PT então passou a governar um sistema em que seus ideários
de mudanças não cabiam e por isso transbordaram por canais diversos de
decepção, de frustração e, por último, de indignação. Uma parte desta conta tem que ser debitada sim, ao
PT, porque nenhum outro partido tinha e tem a pretensão sincera de realizar mudanças
que aumentem o poder dos pobres. Inclusive de questionar os governos que os
emancipam.
Por isso é tão fácil ao PPS e ao PSDB agora, tentar se
capitalizar, atribuindo a insatisfação dos brasileiros aos governos do PT.
Estamos lidando com uma história de dez anos e a memória da maioria que vai às
ruas não alcança os 30 anos de mudanças
que o Partido vem promovendo.
Esses partidos, de viés antipopular, elitistas e dependentes
dos mandos do sistema capitalista internacional, continuam tacanhos em suas
visões de desenvolvimento, mas têm um aparato de poder que lhes permite
dialogar com a classe média já estabelecida, sua aliada mais fiel, para quem a
linguagem da corrupção, do mal uso do dinheiro público em
superfaturamentos, desponta como uma novidade na política brasileira.
Sob a ameaça de perder a interlocução com a sociedade, o PT está atônito. Aos mais novos, todos os
partidos também estão! E uma das razões deste tormento é porque o PT tem limitado sua audição a um
círculo militado de opiniões. Uma vez no
poder, tornou-se impermeável a crítica da militância mais pobre, das bases progressistas dos rincões do
Brasil, dos que não tinham força política para eleger parlamentares, dos que
nem de organizações sociais participam.
Com lideranças oriundas de uma tradição política de esquerda
clássica, tem sido difícil estabelecer
contato com o universo social dos jovens, dos trabalhadores que se qualificam
profissional e intelectualmente, das mulheres que querem mais que trabalho e
reconhecimento profissional. Dos segmentos excluídos, agora com direitos,
territórios e políticas públicas reconhecidas nos governos petistas, mas que
querem cada vez oportunidades e amparo social.
O PT se ancora na expectativa de que, a multiplicidade de programas de governo e os
números mirabolantes de recursos de investimentos anunciados, são suficientes para constituir um reconhecimento, cujo objetivo principal,
parece ser apenas o saldo eleitoral.
Se ouvisse fora do Partido, o PT perceberia que grande parte
dos programas chegam ineficazes aos seus públicos-alvo com os inúmeros
agenciamentos de prefeituras e empresas; que as obras bilionárias são caras
e mal feitas, que o povo sabe que, por
trás de cada obra tem um sistema
crônico, estrutural e descarado de propinas.
Perceberia também que o povo ficou mais esclarecido sobre
esse “sistema político” após o Boom
de informações que recebeu nos escândalos do Governo Collor e do Governo
Lula\Dilma, que as pesquisas demonstram que a maioria não distingue. Que esse esclarecimento tem maior ressonância
porque encontra, no início desta década, uma população mais escolarizada, mais
informada e mais integrada em debates críticos que não passam mais por espaços
e movimentos sociais vinculados ao Partido.
As lideranças críticas que “ fizeram a cabeça” dos jovens e
trabalhadores nas décadas passadas, estão obsoletas em relação ao ideário de
futuro, acomodadas com as formulações de políticas de uma nova tecnocracia de
esquerda que ocupa o Planalto; imobilizadas pelo comprometimento com um
discurso “chapa-branca”, traduzido também como governabilidade,
inevitabilidade da política, coisas do jogo político.
Algumas dessas lideranças
têm como referência, os políticos tradicionais e como ethos, ser melhor que eles, no modelo
deles...isso se verificou fartamente na conduta de autoridades petistas que o
mais que fizeram foi repetir os políticos convencionais, alguns exacerbando em
autoritarismo, arrogância, incompetência e desprezo por princípios
que arregimentaram apoios ao Partido no passado.
O desprezo aos intelectuais e movimentos sociais críticos aos projetos de infra-estrutura na
Amazônia é um dos sintomas desse distanciamento que foi cortando os fios de
interlocução com a sociedade organizada ou não-organizada, mas que poderia se
mobilizar a qualquer momento, como nas condições atuais.
A reforma agrária e o desenvolvimento rural reflete o acúmulo
de uma visão interna do PT, esta e outras políticas públicas são ambientes políticos corporativos. Setores
inteiros do Governo são entregues a tendências e a partidos “de porteira
fechada”, sem um compromisso com projeto de país, projeto de Estado, projetos
de regiões em suas múltiplas escolas e diversidade. Aos mais novos, não pensem
que isso é um problema só do PT. Não, com os outros partidos ocorre a mesma
coisa. Eles conseguem esconder melhor esses atrelamentos de governabilidade
porque têm a imprensa a seu favor.
E assim, outros desvios de condução de governos e paralisia
de criatividade e discriminação entre regiões, que reproduzem a lógica de outros
governos e do sistema político atual. Os governos petistas estão acrescentando
pouco aos avanços necessários do que deveria ser um ambicioso e inovador Projeto
da Amazônia para o desenvolvimento do Brasil.
O PT do Pará nesse
contexto?
Qual é o projeto que o PT está apresentando para discussão de
mudanças no âmbito do PED no Pará? Com quem o PT dialogou sobre esse projeto?
Será que o PT tem um autodidatismo tão eficiente que consegue captar os anseios
do povo sem ouvi-lo?
Qual a posição do PT sobre a Lei Kandir e por que não fez
nada para alterar essa subalternidade aos estados industrializados que, de
alguma forma, inibe nossa industrialização? Quais são os segmentos econômicos
que, num segundo governo petista no Pará, deveriam ser centrais para uma
alavancagem econômica?
O PT tem conhecimento
do enorme potencial do extrativismo que, em bases modernas, poderiam
intensificar atividades econômicas e gerar novas fontes de renda por novas
cadeias produtivas? É o que demonstram estudos de vários pesquisadores entre os
quais Francisco Costa e Alfredo Homma.
O que o PT do Pará está refletindo sobre a modernização das
cidades, o desenvolvimento urbano em sua integralidade e assim tantos outros
temas em que estamos atrasados em relação ao Brasil.
As gestões municipais são dos prefeitos e seus grupos e o partido pouco influencia em
modelos de gestão, no planejamento, na inovação de como as administrações podem
influenciar novas mentalidades e o aprofundamento da cidadania. Aos mais novos, todos os partidos são assim, o
que se cobra é que o PT deve e poder ser diferente.
A posição do PT Pará nas eleições de 2014, pela complexidade
da conjuntura, as novas oportunidades dadas para projetar novas lideranças,
entre outros fatores, exigiam logicamente uma discussão para além do universo fechado do Partido. Que
agregasse percepções que quebrassem a blindagem dos dirigentes, sempre cercados
de opiniões convergentes com o que “querem que os outros pensem”, abrindo janelas
para as opiniões que se avolumavam nos meios sociais reais.
A decisão sobre a tática eleitoral de 2014, deveria ser informada por essa oitiva mais ampla e
diversa dos nossos modos atarracados de pensar a política em nosso estado, nos
últimos anos, principalmente.
Com que ideários as lideranças do Partido as lideranças do Partido vão dialogar na
próxima campanha? Muitos acham que no jogo eleitoral não tem
mais espaço para “ideários”. Tem.
Qual o escopo de proposições que a bancada do Pará apresenta
nos fóruns de decisão sobre macro - investimentos no Estado e com quem dialogou
sobre suas posições? Em quais iniciativas e projetos a bancada do PT do Pará está unida, colabora
entre si para alargar conquistas que beneficiem o conjunto da população do
Estado? Quais mesmo são os projetos dos
deputados do PT na ALEPA e na Câmara Federal? Representa que demandas e que
setores da sociedade? Esses projetos cacifam os parlamentares com que estatura para cuidar de questões de
Estado?
Um discurso fácil e pouco trabalhoso é o que se apoia no que o Governo Federal fez no Estado,
comparando com a visível inércia do governo do PSDB. Há dúvidas sobre a
eficácia desse discurso que trabalha com o protagonismo alheio.
O Governo Federal vem fazendo coisas muito boas. As grandes
rodovias federais que vão integrar o interior do Pará ao Brasil, são conquistas
que não viriam em qualquer governo do PSDB.
Algumas ações do governo federal poderiam ser diferentes, principalmente
sobre questões estratégicas da economia e dos recursos naturais em que trata as
populações locais como meros obstáculos ao desenvolvimento. É o caso do setor
elétrico e do setor mineral.
A Nota da Secretaria
Geral da Presidência sobre a manifestação dos Munduruku é indefensável.
Principalmente, vinda setores dos mais humanistas dentro do governo. O povo vê
isso e cresce o descontentamento entre intelectuais e pessoas comuns.
O sistema de saúde em todos os níveis, continua doente e atrelado a uma roubalheira
descarada. Os gastos com infra-estrutura são vinculados a interesses setoriais,
reproduzindo a imposição da esfera federal com nenhuma margem de flexibilidade
para adequação ao desenvolvimento local e regional.
A forma como o
dinheiro público, colocado na obra de Belo Monte pelo BNDES, está sendo gasto,
na corrupção de autoridades, na maquiagem de uma obra que seria inviável em
qualquer país pela simples relação custo-benefício....e a omissão das
lideranças do PT, são visíveis, desafiam
os setores críticos e distanciam o PT da possibilidade de operar processos de mudança na condução do
desenvolvimento.
Quando, mais do que
nunca, o governo Dilma valoriza o
planejamento público, alicerçando o PPA num sistema nacional de planejamento, vemos a Sudam e a Sudene se desfazerem em
ações desconectadas de uma estratégia de desenvolvimento regional de ampla
pactuação, de pouca visibilidade e de
baixa interferência no desenvolvimento de forma agregada. O Governo Federal governa regiões no Pará, a
partir de Brasília e não se discute, dez anos depois da extinção e reabilitação
da Sudam, para que esta instituição serve. O Governo do Estado, com pouco
interesse em investir em regiões com pouco voto, agradece.
Vamos democratizar a gestão da Sudam, da Sudene e da Suframa? Vamos
colocar esses organismos para planejar o desenvolvimento nos municípios,
promover estratégias econômicas diversas e duradouras, dinamizar a
infra-estrutura interna dos estados... não é mais isso, o que é então?
É importante entender o fenômeno recente como resultado de um
acúmulo de fatos próprios de sociedades que mudam a velocidades inéditas na
história da humanidade e que, a partir dessas mudanças, reconceituam seus modos de vida, seus valores, sua relação
com as formas de representação políticas que caem em descrédito e seus ideários
de felicidade.
Mais do que nunca “a gente não quer só comida, a gente quer
comida, diversão e arte” e formas de bem-estar que não serão possíveis com os
sistemas políticos atuais que comandam o capitalismo e os socialismos vigentes.
Nossas concepções sobre o mundo, o futuro e sobre nós
mesmos... muitas já estão arcaicas e são ou serão obsoletas na semana quem vem.
O PT ainda é o único partido que têm o aparato téorico,
político e prático para recompor o diálogo com a sociedade brasileira, fazer
uma profunda auto-crítica de suas práticas, liderar de forma decidida a luta
pela reforma política, dar mais eficiência aos seus governos e radicalizar na
democratização das políticas públicas, com a disposição de rever projetos
inadequados para a Amzônia em diálogo com as populações e não pela imposição de
um sistema de licenciamento caduco.
É preciso ter a humildade e a modéstia de ouvir e
reinterpretar o mundo a luz das ideias que movimentam as ruas. Com a sabedoria
de extrair, de movimentos tão difusos, aqueles que sobreviverão nas próximas
décadas e terão força para influenciar o futuro. Esse é um papel para
dirigentes, militantes e apoiadores do PT. Vamos debater essas questões?
*Profa. Dra. Raimunda Monteiro, formada em Jornalismo, Mestre em Planejamento
de Desenvolvimento, Doutora em Ciências Socioambientais dos Trópicos Úmidos,
membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo).
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