terça-feira, 25 de junho de 2013

Algumas ponderações para entender o que se passa.

Fábio Fonseca de Castro
Lendo o que se tem escrito, ouvindo o que se tem dito, debatendo com o PT a respeito do movimento que vai tomando as ruas do país, creio que podemos reunir alguns elementos para tentar, sem pretensão de explicá-lo, compreendê-lo.
Em primeiro lugar, é preciso compreender que se trata de um fenômeno social complexo, com muitas camadas, interesses diversos – alguns divergentes – e com variedade de espectros ideológicos, que vão da esquerda mais radical à direita mais conservadora. Assim, não é possível reduzí-lo a uma agenda única. É preciso resistir à tentação de simplificá-lo.
Da mesma forma, é preciso não olhá-lo com uma perspectiva tradicional, que considera a organização social, exclusivamente, como uma construção consciente. A sociedade contemporânea produz novos fenômenos agregativos e, com isso, inventa novas formas para a política. O movimento que estamos vendo não começou  de uma hora para outra. Ele provém de forças sociais subterrâneas, não necessariamente politizadas e nem organizadas, que se agregam na construção de um espaço público possível.
Isso não quer dizer que as mobilizações não irão, logo mais, se reelaborar e se institucionalizar. Parece evidente que uma das suas consequências será produzir novos fenômenos de liderança e novos discursos para o uso da política convencional.
As características do movimento.
Feitas essas ressalvas quanto à complexidade e quanto à dimensão política das manifestações, algumas características podem ser mapeadas:
  • uma insatisfação difusa com a política e um sentimento difuso de contestação.
  • um movimento líquido e de demandas múltiplas
  • um comando também difuso, com forte horizontalização e com várias expressões políticas
  • uma dinâmica auto-organizativa, veloz e espontaneamente mobilizado pelas redes sociais.
A agenda do movimento
Como disse acima, é evidente que não há uma agenda unificada, mas uma superposição de agendas. Porém há alguns pontos de referência comum, que parecem estar ganhando corpo no passar dos dias:
  • a luta contra a corrupção.
  • o repúdio aos partidos políticos.
  • o elogio do apartidarismo e do espontaneísmo.
  • a exigência por transparência no uso dos recursos públicos.
  • investimentos maiores e de mais qualidade em políticas sociais, particularmente para a mobilidade urbana, saúde e educação.
De onde ele vem?
Trata-se de um movimento subterrâneo, invisível, mas que se autoproduz por meio da internet e, especificamente, das mídias sociais. É preciso perceber que não se trata de um fenômeno novo. Ele acontece em escala planetária. O Brasil está reproduzindo padrões de mobilização em curso nas formas contemporâneas de associativismo.
Merece destaque o Movimento Passe Livre (MPA), que ganhou visibilidade com as agressões infligidas pela polícia de São Paulo. Embora se recuse a disputar o poder, na coerência de seu apartidarismo atual, não se trata de um movimento anarquista, na medida em que reivindica a negociação com o poder público.
Por que ele está acontecendo?
Porque a sociedade brasileira está experimentando uma crise de representação. Experimentamos um déficit de representação política, de honestidade e de coerência política, de democracia e de legitimidade. As instituições políticas – os partidos, o Congresso, o Executivo e o Judiciário estão desacreditados.
A prática de manipulação da sociedade pela mídia e pelo jornalismo, bem como a prática de manipulação da mídia e do jornalismo por figuras públicas que ocupam cargos importantes, do Supremo às forças policias, contribuem decisivamente para essa tendência.
Além disso, a sociedade brasileira passou a conviver, nos últimos anos, com uma ofensiva significativa do pensamento conservador. Esse pensamento, que pauta o elogio do apartidarismo e da não-politização do debate público mencionadas acima, tem contribuído, decisivamente, para a formação ideológica da juventude brasileira que está nas ruas.
Ao fazê-lo, esse pensamento conservador não apenas produz uma política incapaz de uma compreensão histórica da sociedade, como também uma agenda inconsequente e muitas vezes irresponsável.
E o PT, onde fica?
Experimentamos, no PT, um impasse político, o “paradoxo petista”. É um fenômeno evidenciado pelo fatode que as conquistas sociais dos últimos anos vieram acompanhadas por uma situação, ainda não compreendida pelo Partido, de despolitização da política.
O PT não está conseguindo fazer face à despolitização em curso da sociedade brasileira. Institucionalizando-se no poder formal, está abandonando muitas de suas lutas históricas. Sem formação e sem projeto, a militância se torna passiva. Sem diálogo, os movimentos sociais se tornam distantes. Há uma desconfiança geral de que o partido, uma vez no governo, foi cooptado pelos interesses hegemônicos das elites e pelos interesses de manobra das classes médias.
O centro do problema, assim, resulta da perda da identidade política do Partido. Em consequência, percebe-se uma perda dos referenciais discursivos mais caros do PT, justamente os que conferem essa identidade.
Qual a tendência?
A mobilização das ruas está em curso e em disputa. Isso poderá significar um retorno conservador, uma radicalização à direita ou à esquerda, com todas as hipóteses presentes nesse espectro.
Há grande possibilidade de que o movimento produza continuidades, institucionais e não-institucionais, e erupções sociais – notadamente durante a Copa de 2014. Possivelmente, também procurará pautar o processo eleitoral do próximo ano.
Mas é evidente que a explosividade – para radicalizar a noção de espontaneidade – dessas mobilizações, seguem em aberto; com tendências e possibilidades, mas em aberto.

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